Lucro por algoritmos e textos superficiais: no que se transformou o jornalismo das Redes Sociais.

Nem é só mais pela limitação dos caracteres agora. Pelo menos com o Instagram, isso não é mais desculpa há um bom tempo já para a pouca escrita na veiculação rasa de informações. Verdade é que os portais de notícias nas redes sociais se curvaram aos mantras algorítmicos para maior exposição e engajamento; a visibilidade associativa positiva, hoje, é vendida a preço de ouro também para o jornalismo.

O texto curto que chama para os stories e te oferta links (na “bio” ou não) reza pela mesma cartilha das taxas de retenção. Quanto mais tempo você fica aqui comigo, melhor. Mesmo que isso eventualmente vá contra preceitos jornalísticos básicos. Independentemente da plataforma de veiculação que se utiliza, objetividade textual e obediência aos critérios de valor-notícia são prerrogativas da prática noticiarista. Mas será que ainda são? O cenário parece estar mudando a largos e desajeitados passos.

Conversei com Ismar Capistrano Filho, professor do curso de Jornalismo da UFC e doutor em Comunicação pela UFMG, para entender melhor sobre como as plataformas sociais digitais contribuíram ferozmente para as mudanças nos processos de síntese textual, evolução e involução das linguagens, método de exposição e quebra de protocolos de comunicação.

Nada de terra arrasada! Para além disso, a ideia é tentar compreender, pretensiosamente, sob perspectivas mais técnicas, quais os caminhos que serão trilhados pelo jornalismo on-line focado nas redes sociais, onde estamos e o que ainda pode vir. Confere abaixo a entrevista.

Israel Simonton: Mesmo com a pouca taxa de redirecionamento por cliques, você acha funcional para perfis de empresas jornalísticas a opção da estratégia do “link na bio”?

Ismar Capistrano:  Vai depender do objetivo. O Instagram é uma rede inicialmente criada para fotos, não admitindo links nas legendas dos posts. As pessoas se reapropriaram dessa rede. Para tentar resolver esse problema, o link na bio surge como oportunidade para driblar isso. Existe, inclusive, a possibilidade de você disponibilizar vários sites, como o “linktree”, que é comumente usado por restaurantes. Essa é uma das formas do usuário se reapropriar e modificar a intencionalidade de uma rede social, que era no início intencionalmente utilizada para compartilhamentos de fotos. Hoje, o Instagram passou a ser uma rede de relacionamento entre usuários-empresa. E de alguma maneira foi preciso resolver essa limitação que essa rede impõe. As empresas jornalísticas também seguiram esse caminho.  

IS: Hoje, o jornalismo digital também se baseia no engajamento da fórmula dos algoritmos de retenção. Isso é perigoso de alguma forma?

IC: Com a convergência das plataformas jornalísticas nas redes sociais, acaba-se perdendo mais autonomia institucional das empresas que produzem jornalismo. Isso não é algo novo. Não é novidade o jornalismo depender da audiência, porque essa é a lógica mercadológica dessas empresas. Há muito tempo, pelo menos desde a década de 1990, essas empresas não são mais só de jornalismo. Elas também produzem entretenimento. São lógicas diferentes, mas são administradas como se fossem semelhantes. Isso faz com que as exigências de audiência e o investimento nessa relação custo-benefício que o jornalismo gera sejam comparados aos do entretenimento. Muitas estratégias, como o sensacionalismo e a espetacularização da notícia, por exemplo, vêm sendo incorporadas dentro do modo de fazer jornalístico. Essas plataformas digitais possuem políticas editoriais baseadas no algoritmo. Por isso, os donos dessas corporações priorizam questões de audiência, permanência e monetização. A entrega dessas publicações dependerá da capacidade de gerar isso. Dessa forma, o jornalismo precisa se submeter a isso para poder circular dentro do ambiente das redes sociais. Outros valores, que não são valores-notícia, estão sendo envolvidos dentro do jornalismo. A polêmica, por exemplo, ganha muito espaço; a gente sabe que os ‘flames’ geram reações e permanência, mesmo que sejam para repudiar. As notícias que obedecem à lógica caça-cliques, às vezes, são bem inconsistentes dentro da precisão jornalística, relevância pública e atualidade. Fatos e imagens antigos que chegam à redação são publicados só porque vão render visualizações. As próprias instituições produtoras de conteúdo também perdem a sua autonomia frente a ter que gerar uma audiência para outras instituições proprietárias dessas plataformas digitais. Dessa maneira, as ideias originais do jornalismo, enquanto fomentador do debate público, conhecimento e formação sobre atualidade, vão ficando cada vez mais enfraquecidas também.

IS: De certa forma, a ideia de ganchos para links na bio se assemelha aos anúncios nos vídeos de contas grátis no YouTube. A taxa de retenção naquela publicidade é bem baixa por ser um fator impeditivo, e, por conta disso, chato. Pensando nisso, qual o melhor caminho a seguir na sua opinião?

IC: Em notícias, eu realmente não vou para o link na bio. Poucas vezes que eu fui lá, não encontrei o que eu queria, porque o portal já publicou dezenas de outras notícias depois daquela que eu me interessei. O link nos stories tem sido uma saída para lidar com essa característica de uma rede em que as pessoas mantêm quase todas as suas relações digitais com outras pessoas, comércio, informação e conhecimento. O que pode dificultar esse mecanismo dos stories é o tempo limitado de exposição para posts não patrocinados.

IS: Qual a sua opinião sobre portais de notícias que fatiam dados importantes das matérias sob estratégia do ‘efeito novela’?

IC: É difícil existir no mundo alguma área que tenha autonomia completa. O jornalismo, então, tem uma autonomia muito frágil, pois depende de empresas que vão ter sustentabilidade baseada na grande dependência da publicidade. Essa questão do suíte, notícias que pedem continuidade, faz parte da lógica de conquista de audiência e permanência. Isso pode ser questionado, porque a informação jornalística precisa ser a mais completa possível. Dos males o menor. Se essa notícia não traz nenhum tipo de manobra, só para conseguir conquistar audiência, e tem dados completos naquela postagem, eu vejo como estratégia legítima. Diferente disto é distorcer a notícia dando só parte da informação, deixando outras para depois. Quando o fatiamento da notícia é legítimo? Quando você não tem ainda as informações completas, por exemplo. Você precisa publicar, porque aquilo já é de interesse público. Quando conseguir o restante das informações, é feita outra publicação. Agora se você já tem todas as informações e decide publicar só parte dela – comprometendo a compreensão do fato – a produção jornalística, em função da busca por audiência, fica debilitada de uma forma muito crucial. 

IS: Considerando a evolução das linguagens, como você enxerga o jornalismo praticado nas plataformas de redes sociais? Considera raso?

IC: Vai depender muito de quem está produzindo, o que está produzindo e para qual rede social também. No Twitter, há limitação de caracteres, mas com a possibilidade de adiciona link de matérias profundas. Você consegue ver isso em matérias do BBC, El País, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, algumas vezes no O Povo e Diário do Nordeste. No Instagram, no conteúdo normal de feed, você não tem essa possibilidade de fazer esse link para matérias e a quantidade de palavras é limitada, principalmente pelo fator celular, dispositivo que não dá muito conforto para textos longos. Nem toda produção de notícias nas redes sociais pode ser considerada rasa. No Instagram, há essa predominância. São bem superficiais até mesmo pela característica da rotatividade absurda de conteúdo desta rede.

IS: Quando tudo parece ser motivo para publicização, o valor-notícia ainda existe nesta era de redes sociais? Você concorda que as redes viraram espécie de depósito de qualquer tipo de informação, às vezes, sem qualquer filtro jornalístico? Se sim, onde podemos parar com isso?

IC: As redes sociais são uma arena de disputa. Isso acontece na TV e rádio também. Pelo menos na maior parte das redes, você tem de um lado as instituições que produzem conteúdo e querem de alguma maneira conseguir visibilidade e rentabilidade naquele serviço que estão prestando. Há também os donos destas plataformas digitais. Estas, sim, estabelecem planos de negócios que garantam reação e interação. Esses valores estão bem definidos. Por outro lado, você tem o jornalismo e os jornalistas, que possuem valores próprios, critérios editoriais ligados às questões da atualidade, relevância pública, periodicidade e ao direito social à informação qualificada. A disputa surge aí. Nem as redes sociais nem as instituições jornalísticas possuem o domínio completo no que produzem. Os jornalistas precisam se submeter a essas lógicas, mas existe alguma margem de manobra também. O mesmo espaço que abriga publicações bem qualificadas é dado também para posts sobre efemeridades. No meio de um conteúdo extremamente pulverizado e veloz e da disseminação de correntes de fake news, os perfis de veículos de jornalismo assumem um papel de garantia de veracidade nas notícias. Para a checagem rápida de um fato, as contas de jornais tradicionais são as mais procuradas. Por isso a importância de informações consistentes. A reputação é o principal patrimônio de empresas de comunicação na conquista de audiência. Independente da superficialidade de qualquer material, a checagem tem que ser preponderante antes das publicações.

IS: O que esperar das redes sociais como ferramenta jornalística hoje e o que pode ser melhorado?  

IC: Em essência, mesmo reproduzindo informações de relevância social, as redes são ferramentas de relacionamento entre pessoas-pessoas, instituições-pessoas e vice-versa. A questão das redes sociais carece de regulação. Elas passaram a ser fundamentais na vida pública. Nosso espaço público tem uma dependência – senão talvez até uma transferência – muito considerável para as redes sociais. Por isso, elas não podem ser tratadas como um simples negócio, pois possuem implicações políticas, econômicas e culturais muito sérias e precisam ser gestadas com essa responsabilidade. A regulação deve ser sem censura, não pode ser só estatal e precisa do envolvimento de toda a sociedade civil. As informações jornalísticas precisam ter um tratamento específico contra a falta de informação, dando prioridade de entrega para esse jornalismo mais aprofundado. Esses algoritmos são concebidos dentro de um modelo – como fala Cathy O’Neil, pesquisadora que escreveu o livro “Algoritmos de Destruição em Massa” – que precisa ser projetado tendo a participação de toda a sociedade, porque gera impactos na vida social.

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